PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NA EUROPA: MÚLTIPLAS DEFICIÊNCIAS E BENEFÍCIOS LIMITADOS


 autora: Laiana Carla Ferreira**

Em 2018, foi publicado relatório pelo Tribunal de Contas Europeu, o qual concluiu que as parcerias público-privadas (PPP), das quais a União Europeia cofinanciou, “não podem ser consideradas uma opção economicamente viável para executar projetos de infraestrutura”. No trabalho de auditoria, realizado entre o período de maio de 2016 até setembro de 2017, foram examinadas 12 PPP cofinanciadas pela União Europeia na França, Grécia, Irlanda e Espanha, nas áreas de transportes rodoviários, tecnologia da informação e comunicação.

A meta precípua da auditoria realizada pelo Tribunal era examinar se os projetos de PPP haviam sido geridos de forma eficaz e se asseguravam uma otimização dos recursos apropriada, considerando a tendência para impulsionar a utilização de fundos públicos com financiamento privado através de PPP.

De acordo com o Centro Europeu de Especialização em PPP (CEEP), entre 1990 e 2016, foram mobilizados recursos no valor total de 336 bilhões de euros para 1.749 projetos de PPP nos países da União Europeia. Diversos relatórios expedidos no âmbito europeu consolidavam essa tendência. Dentre eles cabem mencionar: o Regulamento Disposições Comuns (RDC) para o período de 2014-2020; o Regulamento MIE[1] e  a Estratégia Europa 2020[2], a qual salientou a importância das PPP.

Assim, as PPP vinham se fortalecendo como um meio para a execução de projetos de infraestrutura, os quais, além de realizarem objetivos da política pública, conciliavam recursos públicos e privados.  Havia entre 2000 e 2008 uma crescente tendência no aumento do número e dos valores das PPPs. Entretanto, a crise econômica de 2008 trouxe um freio que gerou considerável redução no processo, que não atingiu mais os patamares elevados de 2006 e 2007.

Durante a relatoria, o Tribunal identificou 84 projetos de PPP com financiamento misto, entre o período de 2000-2014. No ano de 2016, “o valor agregado das 64 operações de PPP que cuja montagem do financiamento foi concluída foi de 10,3 bilhões de euros.” As PPP na UE concentram-se principalmente no Reino Unido, França, Espanha, Portugal e Alemanha, no período 1990-2016.. que implementaram projetos de igual valor a 90% do total deste mercado de PPPs durante o período 1990-2016. O Reino unido foi o que mais executou projetos, seguido pela França.

Dada à heterogeneidade da definição do conceito de PPP nos variados Estados-Membros, a auditoria levou em conta uma interpretação abrangente de PPP, incluindo diversas formas de cooperação plurianual entre os parceiros públicos e privados. Consoante a definição da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE), as parcerias público-privadas (PPP) são “acordos contratuais a longo prazo entre o governo e um parceiro privado, nos termos dos quais o segundo presta e financia serviços públicos utilizando um ativo fixo e partilhando os riscos associados” [3].

Dentre as principais categorias de PPP, estão as três seguintes: a) concessões, onde geralmente os usuários finais do serviço pagam diretamente ao parceiro privado, sem contrapartida (ou com remuneração reduzida) do setor público; b) empresas mistas, ou PPP institucionais, em que o setor público e o privado tornam-se acionistas de uma terceira empresa e c) as PPP contratuais, as quais são regidas por um contrato.

Entre as PPPs analisadas, existem aquelas que mobilizam fundos da UE associados a fontes de financiamento privadas. A intenção, ao integrar esses recursos, seria a de tornar projetos economicamente mais viáveis em países da UE, ao diminuir os níveis de financiamento oriundos do orçamento público. A Estratégia Europa 2020[4] ressaltou a importância das PPP, classificando a mobilização dessa integração e a criação de novos instrumentos financiadores de investimentos necessários, como um “dos aspectos fundamentais que a Europa deve explorar para realizar os objetivos da Estratégia Europa 2020[5]”. Para o período de 2000-2014, o relatório de 2018, cujos dados foram coletados em 2016, indica 84 projetos de PPP que se beneficiavam de financiamento misto, com recursos dos fundos da UE. O seu custo total e a contribuição da UE ascenderam a 29,2 bilhões de euros e 5,6 bilhões de euros, respetivamente. A Grécia foi de longe o maior destinatário das contribuições da UE, com 59% dos fundos totais, ou 3,3 bilhões de euros. Dentre os 28 Estados Membros da União Europeia, em 13 deles nenhuma PPP recebeu apoio da UE. O setor de transportes teve a maior participação em termos de custo total (88%), enquanto as tecnologias de informação e comunicação (TIC) e todos os outros setores (lazer, água e esgotamento, meio ambiente, etc.) representaram cerca de 5% e 7%, respectivamente.

Ante esse cenário, ao promover a auditoria, o Tribunal objetivava examinar se os projetos de PPP financiados pela UE haviam sido geridos de forma eficaz e se asseguravam a otimização dos recursos prometida, considerando a tendência do crescimento intensivo da realização de projetos através de fundos públicos europeus associados a financiamentos privado através de PPP.

O Tribunal analisou se: a) os projetos conseguiram tirar partido dos benefícios esperados das PPP; b) os projetos se basearam em análises sólidas e abordagens adequadas c) os quadros institucionais e jurídicos gerais dos Estados-Membros auditados eram adequados para uma execução bem-sucedida das PPP.

Em relação ao primeiro quesito, relacionado aos benefícios advindos dos projetos auditados, concluiu-se que, apesar de viabilizarem concretização mais rápida de políticas e de apresentarem bons níveis potenciais de exploração e manutenção, a maioria deles não chegou a concretizar os potenciais benefícios inicialmente previstos.

A despeito de as PPP permitirem que as autoridades públicas adjudicassem planos de infraestrutura em grande escala através de um procedimento único, tal fato aumentou o risco de concorrência insuficiente e, em alguns casos, causou atrasos consideráveis e aumento de custos. Também não impediu o excesso de otimismo do parceiro público em relação à demanda e utilização das infraestruturas planejadas.

Esse excesso de otimismo pode ser atribuído a análises inadequadas e abordagens não ajustadas, que causaram aumentos de custos e subutilização das infraestruturas instaladas. Em grande parte das PPP auditadas, esta opção (a PPP) foi escolhida sem qualquer análise comparativa prévia que demonstrasse que era a melhor opção para otimizar os recursos mobilizados. Isso resultou em uma repartição de riscos frequentemente inadequada e, ainda, na conclusão de que alguns dos contratos de longa duração não foram apropriados para acompanhar a rápida evolução tecnológica, promovendo uma rápida obsolescência das infraestruturas.

Por fim, o Tribunal constatou que o quadro institucional e jurídico dos países ainda não é adequado a projetos de PPP apoiados pela UE. Os Estados-Membros que integraram a análise, em sua maioria, apesar de estarem familiarizados com as PPP, não possuem quadros institucionais e jurídicos bem desenvolvidos. Razão pela qual, não desenvolveram uma estratégia clara para a sua utilização. De acordo com o relatório, esta situação não corresponde ao objetivo da UE de executar uma maior percentagem dos seus fundos através de projetos de financiamento misto, incluindo PPP.

Ante as observações reladas, os auditores formulam um conjunto de recomendações, dirigidas tanto à Comissão Europeia quanto aos Estados-Membros, no sentido de: a) não promover uma utilização mais intensiva e generalizada das PPP até as questões identificadas estarem resolvidas e as recomendações terem sido executadas com êxito;  b) atenuar o impacto financeiro dos atrasos e das renegociações nos custos das PPP suportados pelo parceiro público; c) fundamentar a escolha da opção PPP em análises comparativas sólidas sobre a melhor opção de contratação pública; d) definir políticas e estratégias claras em matéria de PPP; e) melhorar o quadro da UE com vista a aumentar a eficácia dos projetos de PPP.

Desde o início da década de 1980, o neoliberalismo vem aumentando sua influência sobre a política e a economia. Segundo Hall (2012), a legislação da União Europeia no mercado interno prejudicou ainda mais a prestação direta dos serviços públicos.  As diretrizes de aquisição, instituídas em 1993[6], e as decisões subsequentes do Tribunal de Justiça Europeu colocaram mais pressão sobre as autoridades públicas para se associarem ao capital privado na implementação de infraestruturas e prestação de serviços.

De acordo com dados levantados pelo Relatório, é possível observar a crescente onda de PPP na Europa a partir de 1995, com seu ápice em 2007. Entre os anos de 1990 e 2016, foram realizados 1.749 projetos de PPP. Diversos relatórios elaborados no âmbito da UE confirmavam as PPP como “um meio potencialmente eficaz para executar projetos de infraestrutura que garantam a realização de objetivos de política pública combinando diferentes formas de recursos públicos e privados”.

O relatório concluiu que as parcerias público-privadas (PPP) cofinanciadas pela UE não podem ser consideradas uma opção economicamente viável para executar projetos de infraestrutura, uma vez que as PPP auditadas sofriam de insuficiências generalizadas e de benefícios limitados, causando despesas elevadas e tornando-se ineficientes e ineficazes. Sugeriu-se aos Estados-membros para não promoverem “uma utilização mais intensiva e generalizada das PPP até que as questões identificadas estejam resolvidas”.

No contexto dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, as PPP, na forma de concessões, vêm sendo questionadas pelos gestores públicos, sendo crescente o número de remunicipalizações na Europa. O que reflete a realidade de que muitos projetos de privatização e PPP não vêm cumprindo o pactuado.

Referências:
Hall, D. (2012) Re-municipalising Municipal Services in Europe. PSIRU Report commissioned by the European Federation of Public Service Unions (EPSU), May (revised November). Diponível em:<http://www.psiru. org/sites/default/files/2012-11-Remun.docx>. Acesso em 10 ago. 2021

Relatório Tribunal de Contas Europeu: Parcerias Público-Privadas na UE: insuficiências generalizadas e benefícios limitados. Disponível em: < https://op.europa.eu/webpub/eca/special-reports/ppp-9-2018/pt/>. Acesso em 9 ago.2021.

Remunicipalisation tracker: Documentation of cases and campaigns on remunicipalisation around the world. Disponível em: < www.remunicipalisation.org>. Acesso em: 10 ago. 2021

[1] Regulamento (UE) nº 1316/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, que cria o Mecanismo Interligar a Europa, altera o Regulamento (UE) nº 913/2010 e revoga os Regulamentos (CE) nº 680/2007 e (CE) nº 67/2010 (JO L 348 de 20.12.2013, p. 129).
[2] Comunicação da Comissão, EUROPA 2020 Estratégia para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo, COM (2010) 2020 final.
[3] OCDE, “Principles of Public Governance of Public-Private Partnerships” (Princípios no domínio da governança pública de parcerias público-privadas), 2012.
[4] A Europa 2020 é a estratégia de 10 anos da UE para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo. Para tal, foram definidos cinco objetivos ambiciosos, abrangendo: o emprego; a pesquisa e desenvolvimento; as mudanças climáticas e a sustentabilidade energética; a educação e a luta contra a pobreza e a exclusão social.
[5] Relatório UE
[6] https://www.europarl.europa.eu/about-parliament/pt/in-the-past/the-parliament-and-the-treaties/maastricht-treaty

**Autora:
– Laiana Carla Ferreira – 
Advogada, Mestranda em Urbanismo no PROURB-UFRJ